Certamente Harold Bloom tem Sigmund Freud em alta conta no que se refere à capacidade literária. Não pode ser surpreendente em exagero esse fato, levando-se em conta que o pai da psicanálise levava em si poderosos instrumentos acadêmicos e grande aparato de interpretação, era um leitor vigoroso. Mas Bloom não dá peso algum de importância positiva à própria psicanálise, se interpretei corretamente a expressão que ele não combate, sobre esta, "novo xamanismo".
O homem é um ser encurralado e desesperado, embora tenha, mais que qualquer animal, o poder de construir ilhas de verdadeira felicidade, por bem ou por mal. Principalmente os homens pensantes, pois os de raciocínio sossegado, dados apenas ao dia-a-dia, arte rasa e prosperidade material simplesmente, esses podem viver simplesmente felizes, como ciprestes; sobre as mortes ou a preguiça da renovação, valerem-se do belo aparente e posição social com as comilanças, pequenas jóias, passeios e dízimos aliviantes; pavões vegetais e parasitas justos e injustos, enquanto a inteligência busca saídas tecnológicas ou avanço verdadeiramente espiritual.
Mas, creio, contra meu ídolo Bloom, que assim como o fracasso das religiões, o fracasso da psicologia carrega um triunfo ainda não utilizado. E de fiapos desse triunfo, saem fagulhas que aquecem e iluminam por momentos, assim, na religião ou exercício da psicologia, almas perdidas no frio intenso da crueldade da própria natureza humana geral.
Entrei, vestido com meu macacão de jardineiro. Ah! Bendito o momento em que tive forças para recusar o convite de operar o word de meus guardiões, em favor de suas burocracias, e tive argumentos suficientes para que permitissem eu lidar com a jardinagem. O psicólogo da prisão era um sujeito que parecia "pagar para trabalhar". Não acredito que o dinheiro que ganhava para nos visitar cobrisse o valor de um só par de sapatos que o via usar. Sujeito elegante, muito bem vestido, em qualidade e seleção harmônica, era polido e tinha gestos automáticos, resultados certamente de anos de auto-treinamento. Geralmente ele acenava com uma das mãos para que sentássemos, segurando na outra um jornal de respeito nacional, da área de mercados.
Na terceira vez que conversamos e ele indagou do meu futuro e sentenciou: "você terá muita dificuldade em adaptar-se à nova realidade financeira". Escondido nisso havia uma pergunta: "será que em dificuldades não cometerá novamente algum crime?". Mas, com o tempo, tornamo-nos amigos e ele parece ter ficado quase convicto de que eu apenas cometera uma grande estupidez isolada, e impulsionado por uma paixão infernal por uma bela mulher, não sendo um criminoso, propriamente dito. Pareceu entender perfeitamente que eu recuperara meus valores para sempre. Mas, ele tinha razão, eu teria grandes dificuldades em me readaptar materialmente, ainda mais com meu histórico apego aos prazeres gastronômicos e desapego ao dinheiro como o próprio...
Jamais tomei um comprimido de anti-depressivo na década posterior ao livramento, me comportei como Patrick Swaze no papel de segurança, quando leva, sem anestesia, o braço à costura, pelas mãos da doutorinha lourinha (deixem quieta a inadequação fônica) que seria depois possuída pelo paciente, sob o ciúme de seu "ex", Ben Gazarra, que com um binóculo, em situação de voyager, assistiu a tudo, "sua" loirinha doutora ser "ferozmente" possuída, com deliciosa semi-nudez (que cena), em um telhado... Fui estoico, mas, mais por duas razões: a fraqueza argumentativa e má vontade da maioria dos psicólogos que atendem a nós os pobres, e a certeza que eu precisava antes da aplicação de técnicas psicológicas, de um bom psiquiatra e remédios adequados. E isso eu não poderia pagar... Prossegui; a poesia, algumas amigas e uma mulher chamada Margareth e depois outro anjo chamado Elaine, principalmente essas duas, me conduziram com certa segurança, para não me render. Tinha razão, tinha lucidez, aquele psicólogo, em seu detalhamento de como ocorreriam, de maneira geral, as coisas comigo. E, pior ou melhor, previu que eu venceria, com uma batalha sangrenta dentro de minha própria alma, onde anjos deveriam prevalecer sobre os demônios alados, que nos acertam com tanta facilidade, flechas poderosas da inércia, patetice, preguiça doentia, voando o mais soltos que consigam...
Penso que estou livre, finalmente. Na verdade há uns seis meses, e na verdade ainda com guardas e sentinelas angelicais organizados em defesa, o que não evita, às vezes, determinados momentos de letargia e prostração... Mas, mesmo esse carvão aparentemente inútil, procuro transformar em útil para algum tipo de chama prática.
Para que não fiquem dúvidas de meu elogio sobre o psicólogo porto-alegrense (lá fui atendido), notabilizando-o como sujeito de gostos caros, não creio que ele é bom devido somente às condições financeiras, o "berço refinado" que claramente o originou. Conheci péssimos profissionais desta área, forjados sob forte derrama financeira. Acho que é mais uma questão de escolha ética "farei corretamente a 'coisa' correta". Médicos ruins, médicos bons, fluem de toda natureza de condição social. Mas, seguramente aqueles com melhores condições financeiras podem melhor construir suas escolhas... Bem, isso é outra coisa, tão longa e profunda, nem quero me lembrar dos "patricinhos" e patricinhas bebedores de cerveja, vestindo jalecos brancos e com conversas extremamente afetadas ou perigosamente indicadoras de indiferença à condição "romântica" da humanidade, com adesivos "Deus é fiel" e do gênero, borboleteando na universidade pública... Deus! A psicologia e a religião podem ter um propósito digno, mas, creio que nesta vivência atual da sociedade geral, mergulhadas até o pescoço em atos ditados pelo consumo e aparência modal, e distantes das artes como objetos de reflexão honesta, estão bastante fracos de realizarem o melhor que podem.
"E por alguma razão, ele (Deus) precisa de muito dinheiro, é grande, todo-poderoso, mas não sabe administrar... Sempre quer mais dinheiro..." (George Carlim - humorista americano, provando que as brincadeiras podem conter grandes perigos).
"Obviamente, estou aqui discutindo Freud como escritor, e psicanálise como literatura... A grandeza de Freud como escritor é sua verdadeira realização. Como terapia, a psicanálise está morrendo, talvez já esteja morta..." (BLOOM, Harold - O Cânone Ocidental, página 361 - editora Objetiva, 2001).
"Às vezes um charuto é só um charuto" (Sigmund Freud).