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1979 foi, sem dúvida, o ano mais bonito de minha vida. O que teve de melhor em minha vida, descontando o poder poético, esse poder de simplesmente olhar as flores e conseguir senti-las plenas de significado, como olhar o cachorro vira-lata de olhos tristes abanando o rabo, com fome e sem ódio do mundo, poder de entender o que significam aqueles sinais ondulantes sobre o asfalto do meio-dia e o gosto de beijo conquistado... E 1979 foi importante principalmente porque eu, como sempre, amava inutilmente. Mas foi o amar inutilmente mais útil que houve. Seu nome, como o de tantas pessoas das quais trato em outros escritos, deve ser preservado... Basta dizer que tinha uns olhos enormes, daquele esverdeado invadido por tons amarelos e que quando nos olha realmente, sentimo-nos comovidos ou ameaçados pelo poder da inocência, algo que jamais saberemos direito o que significa. Certamente aquele ano testemunhou uma coleção de atos ridículos de minha parte, todos gerados pela maravilhosa sensação romântica e brilho que recai em alunos que chegam abruptamente a uma nova escola, e contribuem para a maravilhosa e tola febre da juventude escolar. Posso me lembrar ainda hoje com exatidão, de garotas lindas que demonstraram real paixão pelo novo garoto da escola, e lembro-me também dos garanhões enciumados, inclusive de um professor garanhão que promovia festinhas, dançava com as meninas das salas, e anunciava as maravilhas do Pink Floyd -hoje sei que ele ia Pink Floyd adentro-. Claro que isso tudo me rendeu dissabores mentais e físicos (com outros alunos), ameaças, empurrões, brigas “onde os fracos não tem vez” (Irmãos Cohen), mas, felizmente, naquela época ainda não invadida pela enxurrada de pequenos traficantes, tudo era mais contornável, e sem conseqüências grandemente trágicas onde o ciúme originava tramas. O que marcou mesmo naquele ano, foi a menina de olhos verdes, que teria importância pelo resto de toda minha vida, e o “Disco 79”, com uma faixa chamada “American Generation”. Aquela garota não mudou sua natureza, tinha 13 anos quando a conheci, hoje é mãe e pelo que último vi não tardará tanto a ser avó, mas, bela, conserva a doçura, serenidade, e poder de selecionar de tudo a melhor parte, e ser solenemente conciliadora sobre as adversidades do destino. Jamais encontrei novamente alguém com tanto poder de sorrir com igual intensidade de coisas boas ou não, essenciando no sorriso algo balsâmico para dizer sobre fatos ruins e um impulso sobre os bons acontecimentos. Não é entusiasta e nem apaixonada furiosamente por nada; sim, parece ter sido fiel à natureza no gostar e desgostar sobre as coisas e carregar consigo uma valoração nobre, parte herança genética, parte herança educativa, mas principalmente, fruto dessas estranhezas de Deus quando mostra que há pessoas que nascem para dirimir os estados infernais que se apossam da terra, para ser o que pateticamente chamamos às vezes de anjos.
O que acho realmente interessante é que por mais que eu busque coisas fantásticas naquele ano que marcou a minha vida, o que encontro são simplicidades; coisas e gente simples. E muita, muita inocência em tudo que me cercava e que só pude dar esse nome tantos anos depois. Talvez a verdadeira importância daquilo tudo tenha sido um aprendizado que deu a mim o poder de absorção de impactos. Talvez aquele ano tenha criado escudos, sensores, defesas, espadas, que serviriam para agüentar as canalhices produzidas por mim próprio, por loucos egoístas que jamais realmente gostaram de pessoa alguma, e por circunstâncias nascidas de uma passividade absurda de minha parte perante o poder do mal e o disfarce do diabo. Talvez em 79 é que tenha nascido a têmpera que me ajudaria a utilizar meus contatos com a arte para permanecer vivo e representar um papel para o qual pareço ter nascido, jamais ser nada, para poder ser tudo... Jamais ser realmente compreendido, jamais verdadeiramente amar e estar realmente presente, ser sempre um estranho com aparência de quem fala sozinho, e cujas palavras são todas paradoxais porque o que se destaca não é importante e o que é frágil, esguio, solto e aparentemente disperso, é sim o que importa e que pode fazer diferença. Já não acho mais tão patético não ser ouvido no que falo de mais importante, e perceber atenção quando é o de menos o que expresso.
Nasci imerso em sangue, em muito mais ocasiões que uma dezena, contarei de forma semelhante ou dissone esse fato de que a primeira visão que tive do mundo foi totalmente vermelha, sangue é o que primeiro vi, e muito... E meu grito de bebê foi traduzido e respondido pelo guardião dos homens próximos da poesia... E agiu, imediatamente escalou um ser libertário o suficiente para saber lidar com a estranha biografia que nascia ali naquela boceta cheia de sangue de minha mãe. Os espíritos marciais costumam afastar os anjos das bocetas, mas, por algum motivo eles acabam sempre se aproximando. Saramago fez disso um atrevimento sutil que me deixou à época da leitura, de aturdido a perplexo... e custou a ele o exílio.
As razões pelas quais não serei nunca artista, embora persiga implacavelmente o domínio de determinadas habilidades próximas à arte, serão lentamente explicadas, e creio que antes que eu acorde na primeira manhã do fechamento desta década, terei conseguido explicar a quem realmente me importa, qual meu verdadeiro contrato com ela....
Na próxima blogada falarei do Bira novamente, da noite em que Marcelo Bonfá justificou qualquer dedicação carinhosa que lhe é direcionada... Falarei do que é ser artista, antes que eu próprio possa entender objetivamente o significado disso. Quando realmente entendemos algo, há muito perigo em esse algo perder a graça... vide os namoros, casamentos, quando todos os mistérios se desvendam, vide as crianças quando passam a ser previsíveis e repetitivas em seus dizeres... Vide um jogo que passamos a dominar totalmente... O mistério é o encanto das relações e da arte, a brincadeira séria, a seriedade sob a brincadeira; a maneira mais bela de se dizer o dizível e indizível; mas não é algo com que se lide com facilidade. O mistério é também uma moeda maldita com que lidam os falsos mágicos do dizer... É o encanto e desencanto quando não há habilidade em conduzi-lo... Basta uma mulher se vestir de mistério e o tolo inseguro –às vezes arrazoado, mas cego- começa a prova de que o reinado de Shakespeare é a realidade e o que chamamos de realidade são as chances mais verdadeiras de que a vida é meramente um cenário bastante tosco para a arte dos seres que não sabem outra língua que não o sussurro que produz o farfalhar das folhas da madrugada, fora de alcance da maioria e ao alcance dos homens amantes do frio ou sujeitos a ele pela nova escravidão... brincadeira... jokerman... jokerman...